Através de uma ampla e massiva reforma
agrária e da valorização e fortalecimento da agricultura familiar.
INTRODUÇÃO
O processo de modernização da agricultura brasileira -
conservador, parcial, excludente e ecologicamente insustentável - acelerou a
exclusão social e a degradação ambiental no campo brasileiro, incrementando a
luta por reivindicações históricas do Movimento Sindical dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais - MSTR, que surgem para superar os prejuízos sociais e
políticos causados pelo modelo agrário e agrícola imposto ao país. Este
processo de desenvolvimento e as recentes transformações no meio rural, mantendo
o seu caráter concentrador de terra e renda, criam demandas e exigem respostas
cada vez mais complexas por parte do movimento sindical.
Desde a sua origem, o MSTR tem como um de seus eixos de
atuação a elaboração e a luta por propostas que possibilitem a melhoria das
condições de vida das populações do campo. As lutas históricas têm buscado a
valorização do espaço rural como um local privilegiado de transformação e
implementação de políticas de inclusão social com profundas repercussões sobre
o conjunto da sociedade brasileira. Foi com esse espírito que a CONTAG, ao
longo de sua história, empunhou as bandeiras da luta pela reforma agrária, por
uma política diferenciada para a agricultura familiar e pelos direitos dos
assalariados rurais.
A busca de alternativas ao atual modelo de desenvolvimento
motivou as delegadas e delegados do 6º Congresso Nacional de Trabalhadores
Rurais, realizado em 1995, a iniciar o debate e afirmar a necessidade de
formular um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável. Este
debate teve continuidade em várias iniciativas de âmbito nacional, estadual,
regional e municipal. Os seminários regionais de desenvolvimento alternativo,
promovidos pela CONTAG, em 96, e a realização do projeto de pesquisa e formação
da CUT/CONTAG, foram os momentos ímpares de elaboração e sistematização de
propostas. O 7º Congresso Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais,
realizado em 1998, aprovou os pontos centrais que deveriam nortear a construção
e implementação do PADRS, que são apresentados abaixo.
As mobilizações do Grito da Terra Brasil foram, por sua vez,
os espaços de formulação e articulação das demandas por políticas voltadas para
um novo desenvolvimento no campo. O Grito da Terra Brasil é a maior
manifestação nacional do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais, realizada
anualmente, para garantir a negociação com os governos federal e estaduais das
principais reivindicações da categoria.
Elementos centrais do Projeto Alternativo
de Desenvolvimento Rural Sustentável - PADRS
O ponto de partida para a elaboração e implantação de um
projeto alternativo é a concepção de desenvolvimento.
Até recentemente havia uma identificação entre
desenvolvimento e crescimento econômico. Isto permitia que o desenvolvimento
dos países fosse medido apenas pelos níveis da renda per capita. Esta
identificação, porém, tem sido amplamente contestada especialmente porque
crescimento e desigualdade social têm andado lado a lado. Análises que levam em
conta apenas a renda per capita mascaram o grau de concentração da riqueza numa
sociedade.
O debate sobre o significado real de desenvolvimento levou a
estudos para estabelecer parâmetros capazes de avaliar o nível de vida das
pessoas de uma forma mais adequada. A criação do Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) é fruto deste esforço por uma melhor avaliação da qualidade de
vida em cada país. Este índice inclui três dimensões básicas de
desenvolvimento: longevidade (viver uma vida longa e saudável), conhecimento
(ser instruído) e padrão de vida (gozar de um nível de vida adequado). A partir
daí se criou três variáveis para medir o desenvolvimento humano dos diferentes
países: esperança de vida, nível educacional (alfabetização de adultos e
escolaridade nos três níveis) e PIB real per capita.
O MSTR entende, portanto, que o desenvolvimento deve incluir
crescimento econômico, justiça, participação social e preservação ambiental.
Este desenvolvimento deve privilegiar o ser humano na sua integralidade,
possibilitando a construção da cidadania. Neste caso, as questões econômicas
têm que estar articuladas às questões sociais, culturais, políticas, ambientais
e às relações sociais de gênero e raça.
O que leva o movimento sindical dos trabalhadores e
trabalhadoras rurais ao esforço de construir um projeto de desenvolvimento é,
então, justamente a esperança de uma vida melhor para os que vivem no campo e
não possíveis sonhos ou fantasias sobre as chances dos países semi-periféricos
entrarem no primeiro mundo, ou sobre a possibilidade de generalização dos padrões
de vida do núcleo central.
Não se alcança este desenvolvimento ou "esta vida
melhor" com programas de combate à pobreza. É fundamental criar políticas
e programas voltados para a distribuição de renda. Segundo estudos realizados
por Ricardo Paes de Barros, pesquisador do IPEA, um crescimento contínuo de 5%
ao ano no Brasil levaria a uma redução de 13% no grau de pobreza em uma década.
Estes estudos demonstram a importância da criação de políticas com cunho
distributivo e não apenas programas assistenciais de erradicação da pobreza.
É importante também salientar que existem cada vez maiores
evidências de que o próprio crescimento dos países chamados de economia
semi-periférica depende da redução das desigualdades. Vários estudos
econométricos demonstraram que níveis de desigualdade como os do Brasil
dificultam ou mesmo impedem o crescimento econômico. Baseado nestes estudos, o
diretor do Instituto de Desenvolvimento Social do BID afirmou que "a
redução das desigualdades, além de ser fundamental para uma sociedade e básica
para uma democracia, é estratégica para a obtenção de desenvolvimento real e
sustentado".
O MSTR entende que não há desenvolvimento no meio rural sem
educação, saúde, garantias previdenciárias, salários dignos, erradicação do
trabalho infantil e escravo, respeito à auto-determinação dos povos indígenas e
preservação do meio ambiente. As lutas das trabalhadoras e trabalhadores pela
terra, política agrícola diferenciada, políticas sociais e direitos
trabalhistas se inserem, portanto, na construção de um projeto alternativo de
desenvolvimento baseado na expansão e fortalecimento da agricultura em regime
de economia familiar.
O eixo central das estratégias deste desenvolvimento,
preconizadas pelo movimento sindical, é a ampliação das oportunidades de
emprego e renda no meio rural. Ocupa um lugar privilegiado nestas estratégias,
a realização de uma ampla reforma agrária, como um instrumento fundamental na
expansão, fortalecimento e viabilização da agricultura familiar.
A geração de emprego e renda não se resume, evidentemente, à
expansão e fortalecimento da agricultura familiar. Ela inclui a melhoria das
condições de vida de imensos contingentes de assalariados agrícolas e a criação
de outras ocupações rurais não-agrícolas e "urbanas" no campo.
Da mesma forma, não é possível pensar em qualidade de vida,
sem se preocupar com a qualidade do ambiente em que as pessoas vivem. É preciso
também, pensar a soberania alimentar, padrões de desenvolvimento agrícola
diversificados e sustentáveis a longo prazo, que restaurem as condições
ecológicas da produção e respeitem o potencial de cada ecossistema, apoiando-se
nas bases científicas da agro-ecologia.
Neste sentido, é essencial qualificar o debate e o
entendimento dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sobre a relação entre
meio-ambiente, qualidade de vida e desenvolvimento, fortalecendo novas relações
entre os seres humanos e a natureza.